Bar do Carlinhos: quatro décadas de histórias e encontros no Centro de Votorantim
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Quarenta anos. Um tempo que se mede em dias, mas que se conta em histórias. O Bar do Carlinhos, o mais antigo em funcionamento da Avenida 31 de Março, não é apenas um ponto comercial. É um relicário de memórias, um mosaico de vozes que o tempo não silenciou.
Ali, entre três mesas e duas banquetas altas, a cidade de Votorantim cresceu. O balcão de fórmica, marcado pelo óleo dos anos, assistiu a tudo: o passar dos prefeitos, as transformações da cidade e o desfile de sonhos e promessas. Do outro lado da avenida, a Prefeitura, com seus 11 mandatos e oito governantes diferentes, mas, dentro do bar, sempre o mesmo anfitrião: Antônio Carlos Latance, o Carlinhos do Bar.
Quando abriu as portas, Votorantim tinha apenas 21 anos de emancipação. O asfalto da 31 de Março ainda sonhava com o futuro, e o vizinho Nelson do Carmo abastecia a cidade no antigo Supermercado Ven Ká. O tempo mudou quase tudo, mas não o bar. A caixa registradora, que não registra mais nada e serve apenas para guardar o dinheiro, tem exatamente a idade do estabelecimento. Maquininha de cartão, Carlinhos até tem, mas é pouco usada - quase contra sua vontade.
O Bar do Carlinhos se tornou parada obrigatória de políticos em tempos de campanha. Geraldo Alckmin, Alexandre Padilha e Aloizio Mercadante estiveram ali. Mas, entre tantas visitas, uma cena se destaca na lembrança de Carlinhos: o dia em que Paulo Maluf, antes de caminhar pela avenida, parou no posto de gasolina e perguntou os nomes dos comerciantes do trajeto. Quis parecer íntimo. Ao entrar no bar, abriu os braços e anunciou em alto e bom som:
- Carlinhos! Cadê aquele café que só você tem?
O segredo do bar? Psicologia, diz Carlinhos. Ali, todos têm lugar: o doutor, o político, o alcoólatra, as pessoas em situação de rua. O respeito é a única regra, e um exemplo disso é a rotina de Odair Fernandes, o barbudo da avenida, que, há mais de 30 anos, aparece pontualmente às 6h da manhã para um café puro. Não é um cliente qualquer. Foi colega de escola de Carlinhos nos anos 70. O tempo os separou, mas o café os une, dia após dia.
Se o bar sempre teve fama de reduto petista, é porque algumas mesas guardaram conversas de figuras como José Bocca, ator e contador de histórias. Foi ele quem, meses antes de partir, presenteou Carlinhos com uma imagem de São Onofre, o santo protetor dos pinguços, vinda do Vale do Jequitinhonha. Ao lembrar-se disso, Carlinhos se cala. A voz embarga. A memória aperta o peito.
O bar foi e é o sustento da família. Foi ali que Carlinhos criou cinco filhos e viu nascer bisnetos. Mas, para ele, não é um boteco. “Botecos não têm regras. Aqui, ordem e respeito são primordiais", afirma.
E assim segue o Bar do Carlinhos, não apenas um espaço onde se serve cerveja e cachaça, mas um ponto de encontro, um território de histórias e um abrigo do tempo.
E em 2025, quando completar 41 anos, continuará ali, na 31 de março, 316, com o mesmo balcão de fórmica, resistindo ao tempo, às modas e às mudanças, como um velho amigo que nunca abandona aquilo que dá sentido à sua vida.
Reportagem e fotos: Werinton Kermes
Foto: Arquivo pessoal
Zé Bocca/ Arquivo pessoal
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